Recentemente o tema das vagas destinadas a trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência (cotas de pessoas com deficiência) nas empresas foi objeto de grande discussão. Foi amplamente noticiado o julgamento de Recurso de Embargos, perante o Tribunal Superior do Trabalho, em que, por maioria, obteve a empresa provimento parcial para absolve-la da condenação ao pagamento da multa (de R$ 10.000,00, por empregado que faltasse para o integral cumprimento da cota do art. 93 da lei 8.213/91), bem como liberação da indenização por dano moral coletivo.

Foi publicada ementa nestes termos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VAGAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO. ART. 93 DA LEI 8.213/91. MULTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. ABSOLVIÇÃO. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO LEGAL. 1. Conquanto seja ônus da empregadora cumprir a exigência prevista no art. 93 da Lei 8.213/91, ela não pode ser responsabilizada pelo insucesso, quando ficou comprovado que desenvolveu esforços para preencher a cota mínima, sendo indevida a multa bem como não havendo falar em dano moral coletivo. 2. A improcedência do pedido de condenação da ré ao pagamento de multa e de indenização por dano moral coletivo fundada no fato de a empresa haver empreendido esforços a fim de preencher o percentual legal de vagas previsto no art. 93 da Lei 8.213/91, não a exonera da obrigação de promover a admissão de pessoas portadoras de deficiência ou reabilitados, nos termos da lei. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá parcial provimento. (TST, E-ED-RR-658200-89.2009.5.09.0670, SBDI-I, rel. Min. Brito Pereira, 12/05/2016)

A partir da decisão deste caso, proliferaram notícias de que a jurisprudência da alta corte trabalhista teria mudado e, chegando alguns a afirmar que, com base neste “novo entendimento” as empresas estariam liberadas do preenchimento das cotas previstas do art. 93 da Lei 8.213/91.

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Todavia, esta é uma leitura equivocada.

O ponto central do julgamento tão comentado foi o entendimento de que “ficou comprovado que desenvolveu esforços para preencher a cota mínima”. Assim, o Tribunal Superior do Trabalho confirmou entendimento de que, tendo a empresa envidado esforços para atender a legislação, mas verificada verdadeira impossibilidade de fazê-lo, não poderia haver aplicação de qualquer penalidade.
“Nesse contexto, conquanto seja ônus da empresa cumprir a exigência prevista na lei, ela não pode ser responsabilizada pelo insucesso, quando ficou comprovado que envidou esforços para preencher a cota mínima, sendo indevida a multa bem como não havendo falar em dano moral coletivo.”
As empresas têm o dever de comprovar terem empreendido todos os esforços possíveis para o cumprimento da cota, demonstrando que, ainda assim, não obtiveram sucesso.

Neste contexto, cita-se algumas ações que devem ser adotadas pelas empresas, afim de demonstrar seu intuito de atender a legislação: (i) realização de campanhas; (ii) adoção planos de ação; (iii) implementação de programas de inclusão; (iv) estabelecimento de parcerias e contatos com entidades especializadas na inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho; (v) conferir publicidade às vagas destinadas aos deficientes por meio de anúncios em jornais de grande circulação, Agencia do Trabalhador (SINE) e internet, buscando recrutar profissionais e reservou vagas para portadores de deficiência ou reabilitados.

Na realidade, o caso comentado não configurou mudança de entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, que já vinha julgando neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – AÇÃO ANULATÓRIA – AUTO DE INFRAÇÃO – MULTA ADMINISTRATIVA – CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS OU REABILITADOS – IMPOSSIBILIDADE DE PREENCHIMENTO DAS VAGAS. Nos termos do art. 93 da Lei nº 8.213/91, as empresas com mais de 100 empregados devem reservar vagas para os portadores de necessidades especiais e os reabilitados. O injustificado descumprimento da referida norma legal autoriza a lavratura do auto de infração e a posterior imposição de multa administrativa à empresa. Contudo, quando o empregador comprova robusta e inequivocamente que de boa-fé empregou todos os meios disponíveis para seleção e contratação de profissionais com deficiência ou reabilitados, mas não obteve êxito, é descabida a imposição da penalidade administrativa. Nesses casos, a empresa não deixou de obedecer à legislação federal por desídia e o descumprimento da obrigação legal de preenchimento de cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência somente ocorreu por fatos alheios à vontade do empregador. Agravo de instrumento desprovido. (TST, AIRR- 113-52.2014.5.02.0043, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, DEJT 14/03/2016)

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Nos casos similares, invariavelmente são destacados os esforços dispendidos pela empresa:
“Consta no acórdão regional que o autor realizou campanhas; adotou planos de ação; implementou programas de inclusão; estabeleceu parcerias e contatos com entidades especializadas na inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho; fixou cartazes nos estabelecimentos da rede, buscando recrutar profissionais e reservou vagas para portadores de deficiência ou reabilitados. Partindo dessas premissas fáticas estabelecidas pelo Tribunal Regional, é inexigível a multa administrativa imposta ao autor.”

Cita-se ainda outra recente decisão da Justiça do Trabalho, na qual fora absolvida a empresa Cascol Combustíveis para Veículos Ltda (Postos Ipiranga) das alegações do Ministério Público do Trabalho da 10ª Região (MPT-10) de que a empresa não teria, imotivadamente, cumprido a cota prevista no artigo 93 da Lei nº 8.213/91.

A empresa comprovou que promoveu diversas medidas para atender à exigência, sem, contudo, obter êxito, tais como: (i) incluir anúncios em jornais e faixas; (ii) reduzir a carga horária de trabalho; (iii) enviar ofícios a órgãos públicos e entidades que possuem cadastros de pessoas com deficiência; (iv) divulgar vagas em vários postos da rede; entre outras medidas. O magistrado destacou que:
“(…) As declarações evidenciam a verdade nua e crua do que ocorre no mundo real dos fatos (primazia da realidade), muito distante da visão discriminatória e excludente que se imagina pesar sobre esse segmento de trabalhadores. De outro lado, de fato, a atividade de frentista em postos de gasolina implica riscos, mesmo que a pessoa com deficiência seja deslocada para atuar em serviço administrativo (caixa, escritório), pois esses ambientes funcionam integrados num mesmo espaço. Além disso, limitações físicas, auditivas e visuais podem inabilitar o candidato à vaga(…)” (Processo nº 0001548-63.2013.5.10.014)

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Portanto, deve ficar claro que é ônus da empresa demonstrar, de forma clara, que o descumprimento da obrigação de preenchimento da cota (de cargos com reabilitados ou pessoas com deficiência) ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. A empresa deverá comprovar que empreendeu ativamente todos os esforços possíveis no sentido de preencher o percentual de vagas.

Somente nestes casos, de acordo com a jurisprudência já sedimentada do Tribunal Superior do Trabalho, não deverá haver aplicação de penalidade à empresa.